A Abordagem Centrada na Pessoa, desenvolvida por Carl Rogers, propõe uma forma de estar com o outro baseada na empatia, na aceitação incondicional e na autenticidade. Em um mundo onde tantas mulheres são ensinadas a silenciar suas emoções, a se moldar às expectativas externas e a priorizar os desejos alheios, oferecer um espaço terapêutico genuíno, seguro e acolhedor se torna não apenas necessário, mas essencial.
No cotidiano clínico, é comum que mulheres cheguem à terapia com suas vozes abafadas, suas dores invisibilizadas e suas histórias marcadas por julgamentos ou desvalorização. Muitas vezes, essas mulheres nunca experimentaram a oportunidade de serem escutadas de forma plena e respeitosa, sem conselhos apressados ou interpretações distantes.
Nesse sentido, a escuta empática, proposta por Rogers, emerge como ferramenta fundamental no processo de redescoberta de si. Este texto busca refletir sobre a importância dessa escuta para o atendimento de mulheres, evidenciando como a relação terapêutica pode se tornar um espaço de cuidado, transformação e reconexão consigo mesma.
A Escuta Empática na Abordagem Centrada na Pessoa
Para a Abordagem Centrada na Pessoa, a escuta é muito mais do que a simples capacidade de ouvir o que a outra pessoa está dizendo. É um modo de estar presente, profundamente atento ao mundo interno do outro, buscando compreender sua experiência a partir do seu próprio ponto de vista, sem julgamentos ou interpretações precipitadas. Carl Rogers descreveu essa atitude como escuta empática — um compromisso genuíno de se aproximar da vivência do outro, respeitando seu tempo, seus sentimentos e seus significados.
Diferente de uma escuta voltada para aconselhamento ou para respostas prontas, a escuta empática se dedica a compreender a experiência vivida pela pessoa tal como ela a sente e percebe. É um processo de entrar no mundo subjetivo do outro, como se fosse o próprio, mas sem jamais perder de vista a condição de que se trata da experiência do outro. Essa delicadeza permite que a pessoa atendida sinta-se acolhida, validada e, muitas vezes, pela primeira vez, reconhecida em sua dor e em sua história.
No contexto do atendimento clínico a mulheres, essa forma de escuta adquire ainda mais importância. Muitas delas carregam marcas de relações em que suas palavras foram interrompidas, desconsideradas ou minimizadas. Ao encontrar, na relação terapêutica, um espaço onde podem se expressar livremente, sem temor de julgamentos, é possível que emoções há muito tempo silenciadas comecem a emergir. A escuta empática, então, se apresenta como um recurso de cuidado essencial, que favorece o resgate da própria voz e a construção de um olhar mais compassivo sobre si.
Mulheres e o Processo de Redescoberta de Si
Muitas mulheres chegam ao espaço terapêutico carregando histórias marcadas pela sobreposição de papéis, expectativas sociais e silenciamentos emocionais. Desde muito cedo, são ensinadas, de forma explícita ou sutil, a cuidar, a agradar, a corresponder, enquanto seus próprios desejos, dores e limites vão sendo deixados em segundo plano. Ao longo da vida, essa desconexão de si pode gerar sofrimento, angústia e a sensação de não se reconhecer mais.
Na clínica centrada na pessoa, é comum que, ao se deparar com um espaço de escuta empática e acolhedora, a mulher comece a revisitar suas próprias histórias e sentimentos, muitas vezes pela primeira vez de maneira livre e sem censura. Esse movimento, embora libertador, também pode ser desafiador, pois tocar em aspectos adormecidos ou negados exige coragem e disponibilidade emocional.
O processo de redescoberta de si, então, acontece gradativamente, na medida em que a mulher se sente segura para expressar suas experiências, para reconhecer suas dores e para resgatar aspectos de sua identidade que haviam sido deixados de lado. A escuta empática e a aceitação incondicional permitem que ela se aproxime de quem verdadeiramente é, não mais a partir das expectativas externas, mas a partir do próprio sentir.
Nesse caminho, muitas mulheres passam a nomear emoções que antes eram evitadas, a refletir sobre escolhas que não lhes pertenciam e a reconstruir relações consigo mesmas e com o mundo. O espaço terapêutico, quando sustentado por uma presença genuína e respeitosa, torna-se terreno fértil para que essa redescoberta aconteça de forma orgânica e respeitosa, sempre no ritmo e na medida que cada mulher consegue e deseja acessar.
A Relação Terapêutica como Espaço de Transformação
Na Abordagem Centrada na Pessoa, a relação terapêutica não é apenas um meio para se alcançar mudanças; ela é, em si, o principal instrumento de cuidado e transformação. Carl Rogers defendia que, quando o terapeuta consegue se posicionar de maneira genuína, empática e oferecendo aceitação incondicional, cria-se um ambiente propício para que a pessoa atendida entre em contato com suas emoções mais autênticas e, a partir daí, possa promover movimentos internos significativos.
Para muitas mulheres, a experiência de encontrar alguém que as escute verdadeiramente, sem julgamentos, interpretações apressadas ou conselhos, já representa uma ruptura com padrões relacionais anteriores. Nesse espaço protegido, é possível que elas se permitam dizer aquilo que por tanto tempo foi calado, reconhecer sentimentos que foram reprimidos e acessar partes de si que haviam sido esquecidas.
A relação terapêutica, construída com respeito, presença e disponibilidade, torna-se então um espaço de reparação emocional e de validação da experiência subjetiva. É nessa convivência afetiva, ainda que dentro dos limites éticos e técnicos, que a mulher vai, pouco a pouco, ressignificando suas histórias, suas dores e seus afetos. E, mais do que isso, vai se autorizando a sentir, a existir e a escolher a partir de si.
Ao favorecer um ambiente relacional baseado na confiança e no respeito pelo ritmo de cada mulher, o terapeuta possibilita que ela experimente, muitas vezes pela primeira vez, a vivência de ser aceita exatamente como é — com suas contradições, suas forças e suas vulnerabilidades. Essa experiência, por si só, tem um potencial profundamente transformador.
Pra Finalizar
Refletir sobre a importância da escuta empática no atendimento a mulheres pela Abordagem Centrada na Pessoa é, antes de tudo, reconhecer a potência que existe em oferecer um espaço de acolhimento genuíno e livre de julgamentos. Em um mundo que tantas vezes ensina mulheres a silenciar suas emoções e a desconfiar de sua própria voz, o espaço terapêutico pode representar um lugar de reencontro consigo mesma.
Através de uma relação terapêutica baseada na empatia, na aceitação incondicional e na autenticidade, é possível favorecer que cada mulher se aproxime de suas experiências mais profundas, ressignifique suas dores e redescubra aspectos esquecidos de sua identidade. A escuta verdadeira, quando sustentada por uma presença genuína e respeitosa, não apenas acolhe, mas também convida à transformação.
É essencial que profissionais se sensibilizem para as particularidades das histórias femininas e para as marcas que o contexto social, cultural e afetivo imprime sobre essas trajetórias. Ao se abrir para essa escuta, o psicoterapeuta contribui para a construção de um cuidado que vai além do alívio de sintomas, alcançando o fortalecimento da autonomia, da autenticidade e da liberdade de ser.
Mariana Mejan
Psicóloga Clínica – Especializada em Mulheres
CRP: 06/ 92638